SOBRE CONFUSÃO E DISCERNIMENTO 

“O que se percebe é um desconforto com o jogo social das certezas, onde o ego vence mais do que a verdade. “ 

Era fim de tarde na terra do nada se passa — o café da Aldeia estava lotado — cheio de certezas. 
Cumprimentei a todos e como sempre pedi o meu café cheio numa xícara fria, me sentei numa mesa de uma cadeira só. Não gosto de dar lado para desconhecidos (risos). Eu estava exausta, acabada de vir de um trabalho energético difícil e cansativo. 
Pois bem: 
Na mesa ao lado, um grupo discutia política, moral e espiritualidade com uma empolgação de quem acreditava ter encontrado a Verdade em letras maiúsculas. Percebi alguns olhares, mas mantive-me cabisbaixa, abaixei ainda mais o meu chapéu — comecei a girar a colher dentro do café — sem açúcar, como sempre — apenas para ter um pretexto para o silêncio. Não é que eu não tenha opinião; o que tenho, é uma preguiça gigantesca em debater. 
Esse tipo de diálogo me parece emocionalmente cansativo; é sempre uma arena de egos disfarçada de conversa inteligente. Há sempre um mal-estar, um desconforto — ou os dois — junto com a arte de constranger. 
Não gosto de discutir. 
Aquele que “perde” o debate acaba ridicularizado, diminuído em suas convicções, e quem “vence” geralmente só é bom na retórica da humilhação. Na maioria das vezes, o campeão do debate não tem razão alguma; só aprendeu a usar o tom constrangedor, o argumento afiado e a pausa teatral que desarma o outro. Mas a vaidade costuma se vestir de lógica, desnudando aquele que realmente a possuía.  
Fiquei observando silenciosamente o grupo ao lado, percebi que a discussão já não era sobre ideias, falava mais sobre quem sustentava melhor o personagem da sabedoria. Patético isso! “Aff” 
É curioso como as pessoas são: quanto mais falam de razão, menos escutam. O soar alto das trombetas da própria ignorância. Talvez seja por isso que o verdadeiro intelectual raramente discute. Ele sabe que existem múltiplos modos de pensar, respeita a opinião alheia e, acima de tudo, não precisa gritar para ser escutado e aplaudido.  
O silêncio, para quem já se deparou com a própria ignorância, é o argumento mais elegante que podemos ter. Quem cala nem sempre consente; às vezes é só para não gerar mais atrito. Eu adoro falar que “entendi”, só que isso nunca foi um “concordei”, embora os idiotas entendam que sim (risos). 
Continuei a rodar a colher no café e pedi um pastel de nata, assim eu poderia fingir que também estou a comer — para não entrar na roda. 
Lembrei-me então de Richard Bandler, o pai da Programação Neurolinguística. Ele costumava dizer que “não existem verdades absolutas”. Sempre foi contra as fórmulas fixas e encorajava as pessoas a testarem a realidade por si mesmas. Para ele, a confusão era uma etapa natural do processo de descoberta. E talvez seja mesmo. Confundir-se é reconhecer que o mundo é mais amplo do que as nossas lentes particulares conseguem ver. 
O problema, entretanto, é que a maioria das pessoas temem esse estado de desilusão— acabam preferindo a ilusão da certeza dos outros a ter de enfrentar o desconforto da dúvida. 
Sendo que, na verdade, as coisas são fáceis de explicar; difíceis são as mentiras que inventamos para nós mesmos e as eternas pausas entre uma explicação e outra. 
Quebras de conceitos.  
 
Se não reavaliarmos nossos princípios e valores, acabaremos como cães correndo atrás do próprio rabo — presos em conceitos e regras arcaicas que de nada nos valem. 
Ficaremos feito vitrola com agulha velha e emperrada — repetindo discursos prontos como mantras, sem notar, ou notando, que cada “verdade” que defendemos com tanto fervor — é, apenas uma versão parcial do real. 
O que eu ainda não entendo — ou talvez nem queira entender — é essa necessidade compulsiva de provarmos que estamos certos mesmo quando não estamos. 
A discussão só prejudica 
Até quando se vence, se perde… 
Uma das pontas deste embaraço é entender por que transformamos tudo em disputa!? Por que essa ânsia de dar sermões e palestras o tempo todo — seja nas redes, nas mesas de bar, nos grupos de trabalho, com as famílias e até nas alcovas? Será que é sensato ganhar o debate e levar para casa — rusgas nas relações? Quem nos convenceu de que sabemos mais sobre o outro do que ele mesmo? Você sabe de si?  
A cada debate que assisto, sinto que o verdadeiro diálogo se perde. Não há curiosidade em ouvir o que o outro diz, existe apenas a espera o seu tempo de replica, treplica e a expectativa de vitória. Ninguém quer compreender; todos querem ser aplaudidos. E o aplauso, nesse contexto, não é mais do que o eco da própria estupidez. 
Somos petulantes, arrogantes, insensatos e, muitas vezes, irreverentes com o Divino que nos habita e com o Divino do outro. 
Falamos em empatia, mas rimos de quem pensa diferente. Pregamos respeito, mas atacamos com ironias debochadas quem não repete as nossas certezas. É uma contradição que o ego tenta inutilmente disfarçar. 
Penso que o discernimento começa justamente quando paramos de tentar corrigir o mundo e começamos a observar o próprio ruído interno. 
E a confusão pode ser um convite — não uma falha — é um passo certo na direção do saber: uma dança entre o saber e o aprender, uma poesia difícil de decifrar. Sem perder o compasso, a confusão acaba nos obrigando a desacelerar, a respirar e a testar na prática aquilo que o discurso costuma esconder. 
Voltando ao café da Aldeia (risos) 
… Pensei nisso enquanto o grupo do café seguia fervendo em suas verdades. As vozes se misturavam, o barulho das xícaras soava como trilha sonora de um espetáculo previsível. Eu apenas os observava — meio cúmplice, meio cansada, um pouco instigada e nem um pouco interessada em participar. E, de novo, percebi que o silêncio ali é como acolá, sem sombra de dúvidas — a forma mais sofisticada de discernimento. 
Deixei a colher repousar no pires, o café já frio. Não havia nada a acrescentar à conversa alheia, tampouco à minha mente. 
Aprendi que algumas confusões não precisam ser resolvidas — só compreendidas. E, quem sabe, o discernimento seja justamente o ato de calar, mexendo o café devagar, sem açúcar e sem pressa. 
Por fim, tirei o chapéu da cabeça, apenas para ajeitá-lo novamente e ir em direção a uma outra constelação. 
Mas, por ora, é melhor apreciarmos o perfume ousado que exala da bruxa silenciosa. 
Acho que preciso de outro café, está servido?  
Gratidão, risadas e magias;  
Dan Dronacharya