Apreciação das formas divinas

DEUS EM MOVIMENTO

Quanto mais caminho, menos percebo para onde vamos… 

Valar Morghulis. 
Valar Dohaeris. 

Reza a lenda que a resposta certa ao deus da morte é Tubī daor: “Hoje não”. 

Será que realmente teremos tempo para enigmas? Poderia até ser divertido, mas a vida vai além desses pormenores. Aliás, é feita justamente deles. 

Ok, deixemos as fantasias para depois… 

Sabemos bem que a vida nem sempre nos responde como desejamos. O curioso — ou instigante — é que, diante desses pormenores, sempre damos um jeito de nos ajustarmos ao fluxo contínuo que chamamos de vida. 

Também é sabido que a morte faz parte desse mesmo fluxo. E, mais uma vez, ronda o nosso espaço. Surge discreta, como quem nada quer. 

Talvez tenha vindo apenas para lembrar que não somos nós que damos as cartas neste jogo, nem quem define as regras ou decide quem deve jogar primeiro. 

Quando leva alguém do nosso bando, ficamos como búfalos na savana: perdidos diante do ataque dos leões. Nesses instantes, simplesmente não há o que fazer. 

E, ainda assim, parece menos doloroso aceitar que a morte está sempre à nossa volta. Somos como os búfalos: permanecemos juntos quando ela chega e, por mais que acreditemos ser “espertos”, jamais sabemos quando seremos agarrados por ela. 

Não podemos prever o próximo encontro, muito menos a próxima vítima. Ela ronda silenciosa, chega de repente e, sem que ninguém perceba, entristece o bando outra vez. 

Essa dor é sempre mais aguda quando um jovem é levado sem estar enfermo. Dói ainda mais quando nos parece “fora do tempo”. Mas, afinal, quem determinou esse tempo? 

Não há ordem cronológica. Ninguém conhece os mistérios da vida. Ainda assim, muitos acreditam que os mais velhos devem partir primeiro. Já vi tanta gente se arrepender por confiar nessa lenda. 

Se fosse assim, nenhuma mãe enterraria um filho. Não existiriam bebês nascidos sem vida. 

Costumo dizer que ninguém decifra os mistérios da Vida — porque a Vida é o próprio Deus. 

Esvazie a xícara, sinta minhas palavras e questione suas convicções. Se ainda lhe forem válidas, permaneça. Mas não se entristeça com as perguntas. Elas são boas para reavaliarmos os nossos princípios e valores, sem elas viveremos como madeiras na torrente — como cita Jules Payot em sua grande obra “A educação da Vontade”. 

Agora, pense comigo: 

A morte chega a todos que nasceram, ela vem disciplinadamente todos os dias, sem falhar. Leva uma tia, um vizinho, um conhecido e tantos desconhecidos. 

Ela chega e leva. Mas a Vida segue. 

E segue porque viver não é uma dádiva de Deus — a nossa vida, a sua e de todos os seres vivos, é o próprio Deus. 

A Vida está em mim. Está em você. 

Ela é onipotente, onipresente, onisciente e constante. 

Está em todos os lugares e em todos os seres ao mesmo tempo. 

A Vida está nos microrganismos e nos macro-organismos. Nos bons e nos maus. Em todos, em tudo e de modos diferentes. 

Assim podemos compreender que a morte toca a todos, e tudo que nasce, morre. Só a Vida continua, eterna. Assim diz o sábio Eckhart Tolle em sua obra O Poder do Agora

“O oposto de morte não é vida, mas nascimento, pois a vida é vista como algo eterno e sem oposto polar.” 

A Vida, isto é, Deus, é eterna e até pode ser que nem sempre é bela. O que é belo mesmo? Supor que Deus fez os animais e tudo o que existe na natureza para nos servir é outro engodo. 

Nós, os humanos? Somos meros mortais — achar que somos eternos é pura heresia. 

Não é? Então pense um pouco: se fosse verdade que alguns são escolhidos, o mal não sobreviveria. 

E quem pode dizer que ouviu ou conhece os desejos de Deus? 

Que prepotência — o desejar é totalmente humano. Por isso não sabemos se a Vida deseja ou não. Tornamo-nos irreverentes sempre que presumimos o contrário. Então, por que pensamos assim? Por que tanta convicção na eternidade? Por que não falamos sobre a única certeza que temos: a morte? 

Seria medo ou receio da finitude? Sei lá, eu nunca consegui entender o porquê acreditamos nessas coisas. 

Não quero dar respostas e nem dizer “porque sim”, como os comuns costumam fazer. Quero instigar-lhe. Balançar suas convicções, quebrar paradigmas e mostrar que talvez você ainda acredite que ser desiludido é negativo. 

Nos ensinaram isto. Insisto: conte-nos, quando foi positivo ouvir que alguém era “desiludido da vida”? Ser desiludido sempre nos foi passado como algo negativo, e isso nos impediu de validar alguns dos muitos conceitos passados entre gerações. 

Ser desiludido é viver sem ilusões, sem venda nos olhos (véus de Maya), é saber com convicção que prejudicial é ser iludido e, para além disso, viver na ilusão é ser ingrato com o que a vida tem para lhe dar hoje. 

Mas responda a si mesmo: eu só quis destruir o palco ilusório sob seus pés, soprar um pouco de desilusão na sua direção, para que saísse de sua mansão de ilusões. 

Tentar-lhe mostrar o quão bom é viver em reverência — é gostoso apreciar o que a vida nos oferece, sem cobranças, intenções ou desejos. 

Quem sabe lhe fazer saber que Deus, ou seja, a Vida, não pode ser definida. Ela deve ser vivida, em tudo o que há. 

É sobre saber quem somos e quem somos nós para falarmos sobre Deus. 

Queria apenas lhe lembrar que, em vez de reclamar, você pode agradecer. 

Talvez seja hora de acordar para a Vida com um coração mais grato por nada e a tudo. 

Te confortar com a realidade de apenas ser, pois pode ser que os abalos existam apenas para nos mostrar que não controlamos nada além do que a própria Vida nos propõe. 

E até os vilões que surgem para nos alertar não são tão ruins assim. Quem sabe não sejam os deuses da destruição, como o arquétipo de Shiva? Vai saber… 

Eu só sei que, quanto mais me iludo que sei, nada sei. 

Mas me diga você: quantas lendas sua alma já carregou? Quais permanecem vivas em você? 

Eu me entristeço quando descubro que aquilo que pensei saber era apenas lenda, sabia? 

Fico aborrecida ao perceber que aquilo ou aquele que eu julgava como certo — e que, na verdade, não era nada disso — acabou, e aquele se foi. O que existe são lembranças ou saudades. 

Também fico magoada quando não consigo o que quero. Muitas vezes culpei a vida. 

Muitas vezes reclamei da vida que tinha — fiz isso até compreender que o corpo morre, mas aquilo que fui viverá naqueles que me amaram ou odiaram, com ou sem razão. 

Foi assim, até eu perceber que a matéria alimenta outras formas de vida — e que isso não precisava soar como ofensa. É o ciclo da vida, gente! Todo mundo vira esterco e árvore. 

Hoje sinto que algo, alguma doença sem nome e definição, me consome sem que eu perceba. Continuo aqui, cercada por analgésicos neurais e cloridratos de morfina, sigo respirando. E, enquanto houver esperança, haverá VIDA. 

O que mudou? 

Quase nada. Apenas não ouso mais maldizer a VIDA. 

E, por ora, é melhor deixarmos o Sol brilhar mais intensamente em nós, mesmo que seja inverno em nossos corações. 

Hum, que tal um cafezinho? 🙂 

Gratidão. 

Dan Dronacharya 

Se você gostou deste conteúdo clica nos links abaixo, para ler artigos semelhantes

https://dandronacharya.com/?p=10323 ou https://dandronacharya.com/?p=11418 e https://dandronacharya.com/?p=10640