Entre Dentes de Leão e Chá

“A vida por vezes, é flutuante como os dentes de leão ao vento.”

O dia estava tranquilo como de costume no reino das fadas, mas alguém que ninguém sabe quem deixou os autofalantes do centro filosófico ligados e todos os seres mágicos puderam escutar a conversa entre o Jasmim e a dura Espirradeira, a mais bela fada do Oeste.
Na verdade, por aqui todos sabem que a bela Espirradeira não tolera muitas coisas. A vila inteira parou para ouvir a voz firme dela. 
“Não, não sou a mesma! Sou diferente daquela que conheceste,” desabafou a Espirradeira, quando foi confrontada pelo calmo Jasmim. 
Ela continuou: 
“Já não tolero mais opressões, nem me sinto disposta a me envolver em relacionamentos inseguros. Além disso, sexo sem sentimentos não é algo que eu deseje. Em essência, o que era antigo em mim morreu para dar lugar a algo novo.” 
“Como assim morreu? Explique-me esta sandice!” questionou o “calmo” Jasmim, surpreso. 
“Meu caro, olha bem para mim. Pareço ainda aquele poço de amargura que conheceste? Tenho algo daquela pessoa em mim?” 
Desajeitado e tentando mudar a mente da bela Espirradeira, o acanhado Jasmim respondeu: 
“Bem, minha querida, eu sei que estamos sempre mudando e nos reinventando, mas também sei que algumas coisas simplesmente permanecem. Tu mudaste o cabelo, o jeito de responder às pessoas, estudaste, te intelectualizaste e transformaste em ti tudo o que poderia ser transformado, mas essa tua mágoa é de uma clareza irritante.” 
Ahahah! 
Gargalhou a Espirradeira, pedindo ao Jasmim que mantivesse o respeito e guardasse para si as próprias opiniões. 
“É verdade, caro Jasmim, mas a realidade é que ninguém conhece as profundezas do oceano; todos costumam julgá-lo apenas pelas ondas que percebem. Nós só sabemos do outro aquilo que ele nos permite; ninguém é tão tolo a ponto de se mostrar totalmente, meu amigo.” 
Após a troca acalorada de palavras, a Espirradeira, ainda perturbada, virou-se para sair. Jasmim, com o coração pesado, tentou encontrar uma forma de suavizar a tensão. 
“Espere,” disse ele, hesitante, “deixe-me lhe oferecer algo para acalmar os ânimos.” 
Ela deu de ombros e continuou indo em direção a porta com passos firmes e pesados, o som das suas botas soavam alto como meteoros chocando com a terra. 
Ele se apressou, passou à frente dela e, com um gesto nervoso, ofereceu-lhe um chá. Seu tom de voz, agora mais suave, tentava transmitir a calma que ele mesmo desejava manter. 
A Espirradeira aceitou, mas, enquanto degustava o chá adoçado com a boa dona Estévia, continuou: 
“Sinto muito que tenhas gerado expectativas a meu respeito, mas eu não sou a personagem que tu criaste. Tu não sabes nada de mim, não conheces minhas necessidades, tampouco sabes das minhas fantasias e desejos. 
Tu montaste uma personagem e queres que eu lhe dê vida. Eu morri para essas coisas, meu amigo, e o que é realmente claro é essa tua falta de noção. Eu não respondo aos teus anseios, não me encaixo no padrão de ‘perfeitinha’ e, portanto, não posso ser quem tu amas.” 
Ela agradeceu o chá e, desta vez, apressou-se em direção à porta, sem se deixar interromper. Entretanto, o insistente Jasmim foi até ela, escorou-se na porta, que de tão velha rangia, e disse: 
“Tu disseste que ninguém sabe exatamente o que o outro sente. Portanto, minha bela Espirradeira, tu não podes me dizer que não te amo.” 
Ela olhou para ele, respirou profundamente e silenciosamente saiu porta afora, linda, perfumada e solitária foi caminhando devagar, num monólogo, afirmou a si mesma: 
“Eu não disse que ele não me amava; foi ele quem disse-me isto, quando montou a personagem ideal para estar com ele.” 
O Jasmim ficou desolado, parado na porta, vendo a bela Espirradeira se afastar na vasta floresta do reino das fadas… Ela seguiu seu caminho, aceitou a sua estrada e nunca olhou para trás. 
Reza a lenda que ela se tornou tóxica, mas as belas fadas daquela região dizem que é mais sábio lembrar que, mesmo sob rigoroso inverno, o nosso Sol deve brilhar. 
Gratidão;
Dan Dronacharya.

Roda Viva

” São os loucos de Lisboa que nos fazem duvidar, que a terra gira ao contrário e os rios nascem no mar.”

Joao Manuel Gil Lopes / Joao Monge

Nossa jornada se desdobra em uma teia de momentos: na infância, tecemos sonhos; na juventude, ousamos desbravar; e na maturidade, realizamos ou apenas contemplamos o que poderíamos ter feito.  

Verdadeiramente, somente agimos conforme o nosso desejo. 

 Doze meses de trabalho árduo se convertem em um mísero mês de férias, reduzido a uma semana de viagem e o restante preenchido com tarefas cotidianas e bricolagens. 

É um sacrifício monumental – a vida, afinal, é uma mercadoria preciosa, disponível apenas em doses racionadas. 

Grande parte do tempo é gasto em planejamento, contagem de centavos e antecipação por breves momentos de contentamento. Alguns chegam a questionar se vale a pena viver. 
Recentemente, deparei-me com um artigo intrigante sobre o assunto.
O autor argumentava que as férias são mais exaustivas e desgastantes do que o próprio trabalho.
Durante esses períodos, somos confrontados com as complexidades familiares: lavar o carro no jardim, cortar a grama, crianças choramingando, esposas murmurando, maridos mergulhados em excesso, adolescentes resmungando sem razão aparente, tias intrometidas, sogros conservadores, e uma miríade de inconveniências. 
No ambiente de trabalho, durante doze meses, a realidade se torna distinta. Meu carro permanece imaculado, lavado no estacionamento da empresa. 
As colegas exalam perfumes sutis, com maquiagens impecáveis e unhas cuidadosamente esmaltadas.
Não há lágrimas, nem areia, nem queixumes. Tudo é harmonioso. 
Parece que a vida, em sua essência, consiste em trabalhar. Mas se assim fosse, por que, então, ansiaríamos tanto pela presença de outrem? 
Sinto que nos afastamos do caminho que se esperava.
Descartamos rapidamente o conhecimento, a família, os valores morais, a fim de assegurar um espaço mínimo na “sociedade correta”. 
E, posteriormente, envelhecemos lamentando essas escolhas. Será que essa trajetória é realmente inevitável? Será que não podemos discernir e harmonizar nossas ações? 
Houve um tempo distante, anterior à era dos Zagais, quando eu ainda era uma feiticeira comum e uma menina travessa, aficionada por debates e desafios.
Gostava de competir, argumentar e, principalmente, provocar. E, verdade seja dita, ainda sinto prazer na provocação (risos). 
No entanto, já desejei muito mais do que isso. Já desejei parar o mundo, reverter o curso dos planetas. Já almejei transformar completamente a mentalidade das pessoas. Anseie ardentemente por um mundo conforme minha visão idealizada.
Queria dominar todos os métodos, conhecer todos os lugares, falar todas as línguas. Viajar por todas as constelações e jamais me decepcionar com alguma. 
Contudo, hoje me contento em manter um diálogo harmonioso comigo mesma, em escrever meus contos e simplesmente respirar enquanto meu corpo resiste à morte. Já não ambiciono tocar o céu, já não alimento ilusões. 
A satisfação que me acompanha é tão plena que mal consigo olhar para trás. Acredito ter compreendido que as pessoas, em sua essência, apenas agem conforme seus desejos (risos). Portanto, não vale a pena discutir, opinar ou tentar controlar. 

Aceitei que o amor está além das convenções criadas pela mente humana. 
O amor não se explica e não se submete às regras morais da sociedade. Ele não pode ser contido em uma folha A4 e nem sobrevive em ambientes hostis. Por isso, não vale a pena persuadir, coagir ou oprimir. 

A linguagem do amor é a liberdade. E, é, portanto, o presente mais precioso que podemos oferecer a quem queremos bem. 
Aqueles que amam libertam, soltam, deixam ir… Mesmo que a alma sangre ao ver o amado seguir seu caminho rumo à felicidade. 

Eu sei que algumas coisas andam ocultas, mas o amor não é uma delas. 
Por ora, deixemos o Sol brilhar e as flores da primavera inebriar os nossos sentidos. 
Gratidão, 
A curandeira d’Almas;
Dan Dronachaya.